Memorial Brumadinho
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ESPAÇO DE MEMÓRIA EM HOMENAGEM ÀS VÍTIMAS DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM I,
EM BRUMADINHO
A nossa tarefa face à realidade da dor das famílias nos coloca em uma posição de profunda humildade.
A voz, a única voz, é a das testemunhas. A narrativa pertence a quem não pode mais falar e àqueles que ficaram no pesar. Não há consolo que possa ser materializado nessas circunstâncias.
Resistimos ao apagamento do tempo e da história. Que tragédias assim não se repitam, jamais. Este espaço vai possibilitar uma experiência sensível, individual e compartilhada, com gente que vive um estado de suspensão e sofrimento, dando voz e forma àquilo que não esquecemos.
Temos o desafio de moldar um espaço sólido que possa servir de abrigo, evitar o esquecimento da brutalidade da tragédia e ao mesmo tempo possibilitar um ambiente adequado ao luto privado e coletivo. É preciso trabalhar com significados profundos, que gerem reflexão.
Este é, portanto, nosso limitado esforço de honrar a memória de pessoas inestimáveis que tiveram suas vidas e sonhos bruscamente interrompidos. Nosso desejo é que estes símbolos tenham força para além de meros gestos e que sejam testemunhos indeléveis.
O PROJETO
O ipê, árvore símbolo do Brasil, vem como exemplo de superação. No verão, ele se ergue com folhas para dar sombra, no inverno essas mesmas as folhas caem para deixar passar a luz do sol, e quando a seca aperta ele floresce para mostrar que, apesar de tudo, a vida continua.
No curto período em que eles estarão floridos, os ipês tingirão o chão de folhas douradas, como rastros deixados por quem se foi. Eles serão uma manifestação, um culto à memória das vítimas. Quando floridos, eles se contrapõem aos tons terrosos da mineração, trazendo a ideia de vida.
Misturados ao arvoredo original, serão plantados 272 Ipês amarelos, para que cada lamento possa ser ouvido. Uma procissão de esperança, que acolhe gente, percursos e espaços.
A ENTRADA / O CHOQUE
A entrada do memorial já revela sua missão. Ela recebe visitantes e nos faz refletir: quantos erros brutais constroem um desastre?
A forma deste pavilhão é retorcida, fragmentada, assim como os sonhos que se despedaçaram, mas que servem de evidência sólida do que aconteceu, da invasão da lama que destrói, desfigura e distorce a luz. Representa o conflito da massa de terra em movimento, força avassaladora diante da insuficiência humana.
A materialidade dela é um concreto aparente misturado à terra vermelha. No concreto do interior estão incorporadas algumas peças metálicas retiradas dos escombros, testemunhas vindas diretamente do desastre, que agora são ressignificadas, dando sombra e proteção.
Este espaço é um ambiente de solenidade, que retira o visitante do mundo cotidiano e o coloca confrontado perante o registro inegável da realidade acontecida.
Ao entrar o ambiente é escuro. No teto apenas frestas de luz, como se a onda estivesse atingindo o edifício e apagando o sol. Experiências e sensações que nos preparam para o que virá. É necessário passar por esse mergulho, antes de entrar no memorial.
A escuridão fala sobre esta lama que antes mesmo de chegar com seu impacto avassalador, levantou uma poeira densa que tapou o sol e tingiu o dia de noite. A primeira consciência do desespero foi esta ausência de luz. Os pontos luminosos, contraste entre claro / escuro, falam do dia que não amanheceu, mas também evocam a crença de poder existir, ainda um caminho possível.
O paradoxo persiste, quando, em meio aos caos, surgem as mãos solidárias que se unem para amenizar a dor: bombeiros, voluntários e tantos outros brasileiros.
A cada dia 25 de janeiro, exatamente às 12:28Hs, o facho de luz que não veio, virá a cortar o ar e iluminar uma drusa de cristais, conjunto de joias arranjadas pela natureza. As joias das famílias receberão, assim, a luz que faltou naquele dia.
O foyer serve também para conectar algumas funcionalidades do programa de necessidades. Do lado sudoeste está o espaço meditativo/contemplativo.
O espaço meditativo configura-se como um grande salão livre de pé-direito variável aberto para o jardim, podendo ter suas atividades estendidas para um anfiteatro externo. Como todo o pavilhão de entrada localiza-se logo antes do talude existente na face sudeste o terreno.
Do lado nordeste está a cafeteria, juntamente com um núcleo de sanitários e a área de Direção, Gerência e Administração.
Tanto o espaço meditativo quanto o café têm suas áreas externas resguardadas, mas com vista para as árvores, inserindo-se dentro dessa proteção conformada pela própria topografia. Deste respiro verde, esta antessala ao ar livre, o visitante é conduzido para um percurso convidativo, incrustado no terreno.
Deste respiro verde, este espaço de convivência, antessala ao ar livre, o visitante é conduzido para um percurso convidativo incrustado no terreno. Dali, partimos para nossa caminhada de lembranças e memórias.
O PERCURSO / A REFLEXÃO
O percurso é cortado no terreno em direção ao rompimento. Uma linha no tempo e no espaço que aponta o lugar da fratura gigantesca. É, portanto, uma fenda escavada, testemunha inapagável do que aconteceu.
O Monumento às vítimas fatais transforma-se, agora, em trajetória, entre nomes e memórias, sob uma escultura suspensa. O percurso de 230 metros fala tanto da pequenez do ser humano frente às consequências descomunais da tragédia, quanto do curso do luto, transformando em materialidade um movimento que é muito íntimo e feito em ritmos muito pessoais.
A morfologia de trincheira estimula a introspecção, pois uma vez que se entra nele o único horizonte visível é o enquadramento ao final. Sua perspectiva direta e impactante induz o movimento do olhar, ressoando a sensação de vazio deixada pelo que aconteceu.
Nas paredes laterais, estão os nomes de cada uma das pessoas que se foram. Elas vão surgindo, uma a uma, na medida em que se caminha, como histórias gravadas nessas superfícies laterais.
Após percorrer todos os nomes, o visitante se aproxima do objeto suspenso que se avistava desde o início, elevado sobre as paredes. Logo antes dele, uma inclinação convida ao Espaço de Memórias, onde é possível também fazer uma pausa e descansar do percurso.
Neste espaço de paredes enviesadas, as inflexões no teto e o próprio piso servem de suporte para projeções mapeadas, gerando uma experiência de impacto. Além de imagens e vídeos, o projeto expográfico pode incluir projeções de cartas e mensagens dos familiares, criando um ambiente imersivo, a reverenciar as vidas daquelas pessoas.
Após sair do espaço de memórias, o visitante continua sua visita sob a escultura suspensa, uma grande cabeça que sente e chora. De seus olhos geométricos, derrama-se o pranto, nosso gesto mais humano ao nos depararmos com o impacto da perda.
Essas lágrimas criam um véu sobre as paredes de concreto, atrás das quais estão os segmentos remanescentes das vítimas. Daí a água é direcionada por dois filetes laterais, que são conduzidos pelo restante do percurso até o mirante suspenso, em sua extremidade, onde formam uma superfície d’água que desemboca em um lago.
O MIRANTE e O LAGO / A TRANSCENDÊNCIA
No mirante, ao final deste longo percurso, descortina-se a paisagem do vale; uma superfície que foi atingida e tingida pela lama. Oferece-se aqui um espaço contemplativo, flutuando sobre o lago mais abaixo. É um lugar de serenidade, onde o som e a presença da água falam desse movimento de escoar.
O lago situa-se 3 metros abaixo do mirante e estende-se ao longo das curvas de nível. Pode ser acessado tanto por uma saída lateral da fenda, quanto por meio de caminhos rendilhados que vêm desde a comunidade, na extremidade norte do terreno. Longilíneo, ele reflete o céu e guarda a saudade. No horizonte, nasce um novo silêncio, a ideia de continuidade, que olha para o futuro com esperança.
PAISAGISMO
O paisagismo atua como um elemento de costura, entre o edifício e a paisagem. Os ipês, juntamente com os caminhos sinuosos, geram percursos interativos, lúdicos e livres. Através deles estendem-se trilhas orgânicas, de modo que cada visitante possa reconfigurar seu próprio caminhar. Esses caminhos geram também espaços de estar, de convivência, de meditação e ampliam a liberdade de conexões através dos espaços.
Por meio deles, pode-se visualizar a escultura branca que chora, à distância, como se ela estivesse cravada no terreno, e é a partir deles que sua presença mais forte se manifesta. Percebe-se, daqui, que seu formato é de um quadrado, forma que simboliza o ser humano, ao contrário do círculo, que é divino. Convivemos com o círculo diariamente, quando olhamos uma lua cheia, o sol, uma fruta, quando se joga uma pedra na água.
Nós usamos esse quadrado para nos referirmos ao “Homo faber”, o homem que constrói. O ser humano teve que usar a capacidade de raciocínio e síntese para inventar o ângulo reto, para codificar forças da natureza, como a força da gravidade que é a vertical, e as forças horizontais que equilibram e que nos fazem caminhar com conforto. Então quando inventa o quadrado, o humano inventa o seu estar no mundo, inventa o modo de construir o seu lugar.
Este quadrado está inclinado, transmitindo uma ideia de dor, porque o que se apresentava como estável e confiável, revelou-se brutalmente falho. Essa forma é o desequilíbrio que gerou a dor. Portanto, essa escultura pode ser lida como uma cabeça que chora continuamente pelas vidas perdidas.
Ao mesmo tempo, ela está suspensa, e tem sua superfície metálica pintada de branco, trazendo em si essa dicotomia entre peso e leveza, fazendo contraponto entre o peso da morte e o processo da continuidade da vida de quem fica.
Propusemos, na extremidade norte do terreno, um elemento que demarque as divisas onde a lama chegou. Deste modo, mesmo que o tempo e a vegetação venham a apagar os limites, existirá uma evidência da amplitude do desastre. Nossa sugestão é que este elemento se estenda por toda a área de impacto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As propostas aqui descritas se pretendem sugestões flexíveis e são lançamentos iniciais da tentativa de trabalho com um tema tão delicado. Para que este memorial seja vivo e ativo nos abrimos à participação da comunidade na sua constituição, a fim de que ele se materialize como espaço de pertencimento, de identificação, de coletividade.
Arquitetura
Gustavo Penna, Norberto Bambozzi, Laura Penna, Letícia Carneiro, Alice Flores, Fernanda Tolentino, Henrique Neves, Gabriel de Souza, Eduardo Magalhãe;os, Julia Lins, Larissa Freire, Sávio de Oliveira, Gustavo Monteiro, Felipe Franco, Mariana Carvalho, Rafaela Rennó, Caio Vieira, Fernanda Freitas, Matheus Welffort, Manoel Belisário.
Estagiários
Andre Silva
Natália Castro
Gestão e Planejamento
Isabela Tolentino
Taimara Araújo
Comunicação
Diana Penna
Tamiris Bibbó
Local
Brumadinho - Minas Gerais - Brasil
Dados Técnicos
Ano do Projeto: 2020
Área Construída: 1220 m²
Imagens
Rodolfo Parolin